24 agosto 2018

A PRETA DA VEZ

A busca pela representatividade, principalmente nas mídias comerciais, têm trazido à tona uma questão específica e bem nova para a comunidade negra. É possível falar de pessoas negras "padrão"? Existe um padrão em que o corpo negro caiba?
Existe corpo negro padrão? Projetado pelo Freepik
Quando falamos em corpo padrão, é óbvio que o socialmente construído é conhecido por todos nós: branco, magro, alto, de preferência loiro, a princesinha no imaginário das histórias infantis. Logo, é difícil imaginar o corpo negro ocupando qualquer coisa próximo de um lugar padrão. Mas, como explicar então as pessoas negras padrão, aquelas que têm sido procuradas para serem representatividade de marcas e da mídia que precisa incluir pessoas negras – mas não qualquer negra?

As pretas da vez estão em muitos canais. Não é difícil identificar a preferência de certas marcas e mídias por negras  de pele mais clara, "traços finos" (com todas as aspas do mundo, para entendermos o racismo que há nesta expressão), magras, com cabelos longos e cacheados. E aí, é possível negar que há uma negra padrão?

É importante termos em mente que o padrão é branco e estamos na luta para que ele seja erradicado (Salve, Rincon Sapiência!), portanto, pessoas negras não cabem no padrão social nos moldes macro, mesmo as magras, mesmo as de pele clara, mesmo as heterossexuais, mesmo as perfeitas. Mas, também é importante reconhecermos que, quanto mais próximo da branquitude, mais fácil ser um tipo aceito por ela. Afinal, o que é mais cômodo do que colocar na sua lista uma pessoa negra que não agrida o seu padrão? Assim, as pessoas negras que são gordas, com ""traços grossos"" (fazendo aqui a mesma observação do racismo), de pele mais e mais escura, homossexuais, bissexuais, ou seja, todo que destoe do que seria algo equivalente ao padrão branco, só que negro, sequer entra na fila da representatividade nos canais hegemônicos da mídia ou das marcas legais, que resolvem contratar apenas os e as pretas da vez.

E o que fazemos com isso?

Adianta nos voltarmos contra as pessoas negras padrão? Acredito que o problema está no sistema e acredite, esse não é um problema novo. Dividir para conquistar é historicamente usado contra o nosso povo. Escravos da casa e escravos da lavoura, por exemplo, uns contra os outros, usando os privilégios dos escravos da casa para incitar a ira dos escravos da lavoura. Mas, não há como ter privilégio nenhum em ser escravo e o ideal seria que ambos não fossem.


Acredito, também, que o primeiro passo para desconstruirmos o que vem sendo chamado de padrão e na verdade é mais uma divisão para conquistar, é que os que são considerados padrão entendam do que está sendo falado. Isso é, se você é magra, precisa entender que você é mais tolerada que negras gordas. Isso te faz menos negra? Não! Isso não é um campeonato de opressão. Mas, te faz uma negra magra que agride menos os olhos da branquitude. E, bom, se eles tem que tolerar uma preta, que seja uma que agride menos aos olhos. Agora, pense, você quer mesmo ser essa peça? 

No começo pode ser interessante ter esse acesso – porque não é privilégio nenhum ser tolerada –, mas, a que preço? Ser magra, ser de classe média, ser heterossexual, ter pele clara ou tudo isso junto, confere a mulher negra acessos em algumas situações e não ser assim retira esses acessos. 

Porque acessos? Porque eles podem ser revogados pela branquitude a qualquer momento e sem aviso prévio. Ser rica ou de classe média, ser magra, ser hétero, não garante que os males do racismo não vão te atingir, se você ainda for negra ou negro. 

Precisamos entender o lugar de acesso que ocupamos e desconstruir a ilusão de que é privilégio poder frequentar a casa grande. Privilégio mesmo é liberdade.

Existe corpo negro padrão? Projetado pelo Freepik

Um comentário:

  1. Que post necessário! "Você quer mesmo ser essa peça" é a pergunta que vai fazer umas resistências e máscaras de resistência caírem.

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