01 setembro 2016

A SOLIDÃO DA MULHER NEGRA NÃO É SÓ AFETIVA

Muito se discute no campo afetivo a solidão da mulher negra. Mas é preciso pensar numa perspectiva macro quando falamos do assunto. Não é só nos relacionamentos afetivos que a mulher negra está só.

Em 2008 Claudete Alves da Silva Souza apresentou sua pesquisa de mestrado para a PUC São Paulo sobre a Solidão da Mulher Negra, desde então o tema vem sendo amplamente discutido com essa nomenclatura, mas a brilhante pesquisa de Claudete discute a solidão da mulher negra sob o aspecto afetivo, em relação ao preterimento por parte do homem negro. Neste texto eu ouso observar outro ponto: não é só nosso lado afetivo que anda só.

O mapa da violência apresentado em 2015, mostra o alarmante número de vidas negras perdidas. Dando destaque aqui as mulheres que em relação às não-negras tem sido vítimas das mais diversas violências em uma proporção é absurdamente maior.

Nós estamos sós na hora de procurar a justiça, o atendimento médico, o acesso à serviços públicos básicos como a educação, por exemplo. Em torno de nós mulheres negras, criou-se o mito da força descomunal e o psicológico que tudo suporta, tudo aguenta, não é preciso ter "tato" ou cuidado ao tratar uma mulher negra pois, graças a nossa herança escravocrata, a sociedade cultiva a ideia de que com a gente "tudo pode". O prefeito da cidade pode dizer para a mulher negra que ela vai "trepar muito no seu quartinho novo", já que é normalizado o tratamento desumano dado a todas nós. 
A figura que a sociedade tem de mulher delicada, a princesa que precisa de cuidados e ser salva é BRANCA, loirinha, de olhos azuis e bochechas rosadas. Sempre que somos representadas, somos as arredias e intratáveis que vão a luta e conquistam tudo no braço, na base do sangue, suor e muitas lágrimas. Isso não seria ruim, se não fosse um reflexo de que somos constantemente abandonadas e colocadas na posição de quem "aguenta tudo sozinha", o trabalho exagerado, às dores físicas e emocionais, o abandono, o desamparo e tudo o mais que vier de sofrível, "Ela é preta, ela aguenta". 
Fomos colocadas nos campos e lavouras na época da escravidão, aquelas que não aguentavam eram substituídas como peças de uma engrenagem, nada mais do que isto. Esta ideia de que a mulher negra é uma peça para ser usada e é  totalmente substituível, resultando na forma com que somos tratadas vem deste período.
Não se tem cuidado na fala, no trato físico e isso contribui para a nossa solidão global. 
Quando crianças experimentamos das mais cruéis abordagens desta solidão, que a mulher negra enfrentará por toda a vida. Basta parar para conversar com mulheres negras da sua geração, os traumas geralmente são comuns a todas elas. Na escola, por exemplo, as piadas com nossas pernas "russas", as pessoas que se afastavam e faziam chacota com nossos traços físicos, aqueles que "não queriam andar com as meninas do cabelo duro", a professora que critica o cabelo crespo, manda prender, manda alisar. Por isso não são raros os relatos de mulheres negras que passaram por todo o período escolar se isolando do resto as crianças, para evitar o racismo nosso de cada dia.
A solidão da mulher negra, por todos estes motivos vai muito além da solidão afetiva. Tenho total consciência de que o termo abordado pela maravilhosa Claudete refere-se exclusivamente ao foco apontado na sua pesquisa, mas ouso como disse, aplicar o conceito a solidão que nós mulheres negras sentimos desde criança e por muitas vezes nos persegue por toda a vida. 
Por isso é importante o cuidado, o trato, a companhia, o "nós por nós" entre nós negros, partindo da ideia de que mulheres negras não estão sós apenas afetivamente, cultivar os nossos laços de amizade, redes de ajuda, troca, escambos e socorro é mais um dos nossos muitos atos de resistência.


10 comentários:

  1. Muito mais complexo que imaginamos. Parabéns pela postagem.

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  2. Me identifiquei muito com o texto. Sinto na pele como somos tratadas como se não tivéssemos sentimentos. O desleixo da sociedade que nos trata como invisíveis ou até um incomodo. É muito triste tudo isso.

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  3. As lágrimas saíram naturalmente. Ameei o texto.

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  4. Laços de empatia,solidariedade,amizade,afeto, amor entre nós pretos é necessário ! Beijo a sua mulher preta em praça pública !

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  5. Criar laços de empatia,solidariedade,amizade, afeto e amor entre nós preto é necessário e urgente !!!

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  6. Embora a postagem esteja um pouco antiga, gostaria de deixar o meu relato. A minha mãe é negra, casou -se com um homem branco (meu pai) e eu nasci com a pele clara e cabelos lisos. Quando eu era criança, as outras crianças me questionavam pq eu tinha uma mãe negra; como ela poderia ser minha mãe, algumas outras mães olhavam com desdém pra minha mãe. Até hoje as pessoas se espantam quando olham a minha mãe, parece mentira, mas fazem cara de decepção e eu sei que é pelo fato dela ser negra! Há 8 anos meu pai pediu o divórcio, de lá pra cá eu tenho pensado mto sobre a solidão da mulher negra; quando era casada com ele (branco), as pessoas adoravam ela, hoje em dia quase não tem amigos, dificilmente faz novos amigos e não manteve qualquer relacionamento amoroso. É mto triste que isso aconteça! Desculpa o textão (rsrs).

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    1. Obrigada por dividir isto comigo, de verdade. É sim, muito triste e eu sinto muito que sua mãe esteja passando por isso. É pesado, mas, pelo menos ela tem você que entende e pode ajudar ela passar por isso de maneira menos dolorosa. Meu abraço à vocês <3

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