Quando falamos de maternidade compulsória, não quer dizer que se ela acabar todas as mulheres estão proibidas de ter filhos e que entrarão na casa das gestantes praticando abortos forçados, não é isso, calma lá. Primeiro você precisa entender o que é maternidade compulsória, para só depois tecer críticas, não é mesmo?
O que significa "compulsório"?
Compulsório é um adjetivo masculino que classifica algo que obriga ou compele a fazer alguma coisa. Alguns sinônimos de compulsório são: obrigatório, forçoso, imprescindível. Por outro lado, os seus antônimos são: voluntário, desobrigatório e facultativo. Esta palavra tem origem no latim compulsue está relacionada com compulsão, uma coisa que é imposta, ou que deve ser cumprida forçosamente ou de forma obrigatória. [FONTE.] Então, agora que está explicito o significado da palavra, fica mais fácil entender a expressão, não é?
O que significa "maternidade compulsória"?
Maternidade compulsória é uma expressão que classifica a vivência de mulheres que COMPULSORIAMENTE passaram por uma gestação e vivenciam uma maternidade.
"Ah, mas, ninguém é obrigada a ter filho.". Sim, é. Brasil é um país onde o aborto ainda é considerado crime, o que faz com que seja preciso acessar meios clandestinos para realizá-lo caso seja necessário, outro ponto que prova que a maternidade compulsória é real é o senso comum reproduzido dia pós dia de "quem não quer filho não engravida". O corpo da mulher, bem como seu funcionamento, não é estudado como deveria nas salas de aula brasileira, métodos contraceptivos não são 100% eficientes, o único método TOTALMENTE seguro é a abstinência e, para além disto, vivemos num país cuja a maior parte da população é pobre e acesso a saúde é PRECÁRIO, muitos métodos possuem condicionantes que nem todas as mulheres conhecem, além de nem todos estarem disponíveis para todas as mulheres.
Outra prova de que a maternidade compulsória é real está no fato de que vivemos numa sociedade em que o peso da gestação e de uma criança não desejada recai MAJORITARIAMENTE nas costas da mulher. Casos isolados de mulheres que abrem mão da maternidade e o pai assume isto, QUE É DIFÍCIL DE ACONTECER são rapidamente espalhados como um absurdo, justamente porque do homem ou genitor nunca é cobrada a mesma obrigatoriedade de arcar com a gestação e o fruto dela.
É preciso destacar também as "tradições" familiares apontam que a mulher "nasceu para ser mãe", o mito de que a maternidade é inata a todas as mulheres reforça essa obrigatoriedade implícita na vida das mulheres. Mulheres que escolhem nunca ser mães enfrentam um julgamento pesado da sociedade, algumas pessoas chegam a desejar que esta mulher tenha muitos filhos, quase como um "castigo" pela sua escolha a não maternidade.
Engana-se quem acha que a maternidade compulsória pode ser vivenciada apenas por mulheres que não um companheiro durante a gestação ou a "criando o filho na mesma casa", afinal, isto nada tem a ver com ser solteira ou casada, mas, ter ou não filhos por livre e espontânea vontade.
Existem diversas formas de coagir alguém a fazer alguma coisa, no caso da maternidade compulsória as ações podem ser subjetivas, como pressão psicológica por parte da família ou companheiro ou ações que independem da vontade do casal, como a falha de um (ou mais) métodos contraceptivos.
Outro erro é acreditar que mulheres que já são mães não podem ser vítimas de maternidade compulsória numa segunda ou terceira gestação, afinal, não é uma sentença que se você tiver um filho vai desejar ter outros, não é garantia de eterno desejo de maternar, o que quer dizer que a vontade da mulher pode mudar e o que em um determinado momento foi algo voluntário, noutro pode passar a ser algo compulsório.
"Considerando que a maternidade compulsória às mulheres e a sexualidade instituída com fins reprodutivos estão na base da construção dos gêneros e das identidades de gênero, com forte apelo cultural nos discursos relacionados à modernidade (GIDDENS, 1991), interpela-se sobre as perspectivas de maternidade e os significados das experiências que estariam a reivindicar signos do sistema heteronormativo e aqueles que provocariam ressignificações a partir da ruptura com a linearidade entre casal heterossexual-procriação-família. [...] Historicamente, a sexualidade feminina foi dirigida para fins reprodutivos, sendo normatizada através dos dispositivos da heteronormatividade. "
Trecho extraído do texto "EXPERIÊNCIAS REPRODUTIVAS E DESEJOS DE MATERNIDADE EM
LÉSBICAS E BISSEXUAIS" de Gilberta Santos Soares. Artigo para o "Fazendo Gênero 2010". Disponível para leitura NESTE LINK.
Submeter a mulher a maternidade compulsória pode (e não é este meu departamento, área de estudo ou atuação) ser danoso não só para a própria, mas, também para a família e a criança produto da maternidade compulsória. Nós enquanto sociedade precisamos também compreender nosso papel nesse ciclo de opressão e sempre que possível evitá-lo. Entender que nem toda mulher "nasceu para ser mãe" e parar de querer enfiar a maternidade na vida de todas as mulheres, mesmo aquelas que não desejam. Entender que métodos contraceptivos falham e todas estão sujeitas a isto, inclusive aquelas que não desejam ser mães, porque, é diferente ter um filho e ser mãe, não vamos nos esquecer disto também.
É preciso entender que mulheres são seres individuais que não se resumem apenas a um útero, incubadoras sociais ou seres enviados para cumprir um tal papel divino de reproduzir e povoar a terra, somos mais que isto, somos mais que escolhas alheias sobre o nosso corpo, somos, temos e devemos decidir sobre nossos corpos. Direitos reprodutivos são sobre TER ou NÃO TER filhos e ter o direito à informação para poder escolher com consciência quanto a isto.
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