18 julho 2017

COMO É SER BLOGUEIRA, ATIVISTA E NEGRA NO BRASIL

Lívia Teodoro - Blog Na Veia da Nêga (Foto: Jéssica Pinheiro)
A maioria das pessoas acreditava que depois do Youtube os blogs desapareceriam, mas nós, mulheres negras, começamos muito recentemente ocupar as redes sociais como criadoras de conteúdo e influenciadoras digitais, logo, para nós o mundo dos blogs é uma novidade que ainda tem muito para explorar. 

A possibilidade de aparecer e distribuir conteúdo quase que de graça, amplifica a atuação, porém para ter destaque o caminho das pedras é um pouco mais longo. A atuação das blogueiras, lá no começo do que eram considerados blogs que passaram a ser fonte de renda e também fama, geralmente era voltada para beleza, maquiagem e os assuntos que fugiam disto pareciam estar confinados aos textos que só um público específico acessaria para ler. Hoje a coisa mudou um pouco, todo conteúdo pode chegar à "todo mundo", claro que levo aqui em consideração que a internet não é universal e nem todas as pessoas tem acesso a ela, sendo assim ficou estabelecido que não é preciso ou possível falar somente de beleza ou maquiagem. 

Mas, será que dá para encaixar posicionamento político nisto? O que paga, usualmente, o trabalho de blogueiras e influenciadoras digitais são empresas que querem que o seu produto ou serviço chegue até o público que aquela profissional alcança, seria uma equação simples, já que cada tipo de influenciadora digital alcança determinado público e que também pode variar de acordo com a situação, mas não é. Geralmente alguns outros fatores são levados em conta na hora de pagar por este ou aquele trabalho, um dos principais é: vivemos num país cujo o senso estético é pautado pelo machismo e o racismo. O que é bonito vende e provoca a venda, então, o que é considerado bonito numa sociedade que rotula o negro como feio ou inadequado? Não precisamos pensar muito para responder. E neste ciclo as blogueiras negras brasileiras acabam tendo poucas alternativas: ou bem falam de assuntos que somente nós podemos falar, nisto incluo maquiagem e produtos para cabelos crespos ou cacheados, aproveitando este "boom" da indústria cosmética que resolveu enxergar este nicho mercadológico, ou escolhem, como no meu caso, incluir opiniões consideradas muitas vezes "polêmicas" e que talvez não agrade tanto o que o mercado procura enquanto influenciadora. 

Lívia Teodoro - Blog Na Veia da Nêga (Foto: Jéssica Pinheiro)
Se posicionar politicamente neste caso, não quer dizer, somente, declarar publicamente para qual partido você torce, como se isto tivesse se tornado mais uma partida de futebol, mas, inclui declarar abertamente seu posicionamento em relação a questões sociais, como por exemplo, o racismo, o machismo, a solidão da mulher negra, racismo estrutural e tantos outros assuntos que se não todas, mas a maioria, das empresas ainda pratica no nosso país. É muito interessante que estejam sendo pensadas campanhas publicitárias que incluem pessoas negras, pessoas LGBT+, pessoas gordas, isto não é mais que obrigação de empresas que buscam ter um posicionamento considerado socialmente correto, mas, fora dos telões, será que as empresas estão mudando a forma como lidam com este público? Será que estas empresas estão empregando estas populações até então "marginalizadas" e tirando o discurso dos banners e comerciais? Ao trabalhar com uma influenciadora digital ou blogueira que assume este tipo de posicionamento as empresas temem que o tiro saia pela culatra ou, pior ainda, temem perder uma parte do público que não se agrada por posicionamentos socialmente corretos. 

Ser blogueira, negra e ativista digital no Brasil ainda é um desafio delicado, já que é preciso conciliar a sua atuação com o interesse das empresas que utilizam deste tipo de profissional para fazerem suas campanhas, sem vender a sua opinião ou crenças. Não é um trabalho simples de ser feito. 

Outro ponto que é impossível não parar para pensar, é o quanto o racismo também impacta no alcance deste tipo de trabalho. Quantas pessoas negras você conhece, fazendo um bom trabalho nas redes sociais, mas que não tem tanta visibilidade? É coincidência? Sorte ou falta dela? Será que estas pessoas não estão se esforçando o suficiente? Ou elas simplesmente não são vistas, por conta daquele nosso “gosto”, criado nos parâmetros da nossa sociedade? Ou, vamos além, será que se talvez ela se posicionasse menos e se mostrasse mais, a coisa mudaria de figura? 

Muitos dos desafios que encontramos na nossa caminhada, poderiam não existir se não fosse o racismo e por sabermos que teremos sempre que conviver com ele, é impossível largar do nosso posicionamento político à cerca das questões que nos atinge. O que não quer dizer porém, que sejamos programadas para falar somente de assuntos relacionados ao posicionamento sobre as questões sociais que atingem as pessoas negras, muito pelo contrário, ser blogueira negra no Brasil é cumprir vários desafios, conseguir desenvolver um bom trabalho sem vender a sua essência, conseguir falar de diversas temáticas, ser remunerada por isso de forma justa e fazer tudo isto tendo a liberdade de falar do que quiser, sem ser questionada ou obrigada a fazer algo, por ser negra. 

Embora não seja fácil a tarefa de se manter neste mercado que cobra muito mais de nós, em qualidade e diversidade, para estar lá, ser blogueira e negra num país onde o estado é planejado para que a pessoa negra não acesse determinados meios é um ato de resistência, que prova que a internet pode ser uma das ferramentas de mudança que as pessoas negras têm nas mãos. Está também nas mãos do público, portanto, buscar e prestigiar o trabalho de pessoas negras que, sendo ou não militantes, tem diversificado o mercado além dos produtos capilares que, embora sejam importantes, não resumem o universo da negritude digital.

2 comentários:

  1. Parabéns por expor tão bem essas questões e fazer um trabalho político, informativo e descontraído, ao mesmo tempo. Mais sucesso ainda pra vc!

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    1. Milena, obrigada pelo carinho de sempre com meu trabalho! <3
      Sucesso para nós!

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