29 novembro 2023

Mulher negra: STF sem representatividade é reflexo do racismo estrutural

Indicação de Flávio Dino ao STF é mais uma demonstração do racismo estrutural no Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) é o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro. É composto por onze ministros, nomeados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado Federal. A indicação de uma mulher negra para o STF seria um passo importante para a representatividade da população negra no Poder Judiciário, instância historicamente dominada por homens brancos.

No fundo, já sabíamos que não daria. Mas lutamos porque nossa essência é essa, foi assim a comunidade negra do Brasil chegou até aqui, resistindo e sonhando. No entanto, esse não é um texto para lamentar o ocorrido.

Foto: Arquivo Pessoal | Lívia Teodoro

A experiência de ser uma pessoa preta no Brasil é profundamente piorada pelo conhecimento e politização. O que é contraditório, afinal, a educação é ferramenta fundamental para a superação do racismo estrutural e para o avanço da comunidade afro-brasileira. O que acontece, é que especialmente a politização nos obriga a conviver com uma branquitude supostamente progressista, mas, só até a página 13. Uma branquitude que, embora se declare de esquerda e antirracista, é incapaz de abdicar dos privilégios consolidados ao longo de séculos em prol do combate do racismo estrutural.

Desde o anúncio do nome de Flávio Dino para ocupar a vaga da ministra Rosa Weber no STF, no último dia 27 de novembro, instalou-se um clima de “não reclame, com Bolsonaro era pior”. A tônica usada para silenciar o movimento negro que bancou uma campanha internacional exigindo que o presidente Lula indicasse uma mulher negra para ocupar a vaga deixada após a aposentadoria da Ministra Rosa Weber. A campanha recebeu o apoio de artistas, intelectuais e políticos de todo o mundo.

Não há discordância de que o governo de Jair Messias Bolsonaro foi pior, bem pior. Foram 4 anos de corrupção, genocídio e a aplicação da necropolítica em larga escala, onde o racismo mudou os rumos da pandemia de COVID-19, tornando a população negra mais vulnerável. E foi exatamente por isso que nós, mulheres negras, tiramos o genocida da presidência. A branquitude não precisa nos contar sobre isso, afinal, nós estávamos na linha de frente lutando contra o bolsonarismo, vimos o processo. Somos o processo.

Foto: REUTERS/UESLEI MARCELINO

Em primeiro de janeiro estivemos representadas na posse presidencial, na figura da Aline Souza, quando pela primeira vez na história o presidente eleito recebeu a faixa presidencial das mãos de uma representante das mulheres negras brasileiras, mas, a porta do poder foi fechada na nossa cara ali. A negação de indicar uma mulher negra para o STF mostra que mulheres negras dão engajamento em fotos como esta, mas, jamais ocupando espaços de tomada de decisão.

Também foi graças ao movimento de mulheres negras que Lula foi eleito presidente em outubro 2022, no entanto, a dívida que estamos cobrando têm muito mais de um ano. Ao indicar Flávio Dino para ocupar a vaga no STF, Lula demonstra que escolheu ser mais um presidente a empurrar com a barriga o início da reparação de dívida histórica.

São mais de 500 anos e durante esse tempo, o Brasil colocou as mulheres negras onde queria, nos tirando de tantos outros lugares, mas mantendo o compromisso de não considerar a dívida secular que têm com esta parcela da população.

Com isso, a branquitude encontrou uma nova justificativa para seguir sendo racista: a defesa de uma suposta governabilidade. Mas, o que essa branquitude nunca assumirá é que estamos todos numa piscina muito funda e quando a água bate na bunda da parcela privilegiada da população, brancos, significa que as mulheres negras já se afogam há muito tempo. E na defesa desta suposta governabilidade, o pacto narcísico da branquitude se afirma, colocando em segundo plano a cobrança por direitos historicamente negados a população negra.

A indicação de Flávio Dino para o STF é um descaso com a população negra do Brasil. É mais uma demonstração de que o racismo estrutural está vivo e forte no nosso país.

No entanto, a luta não acaba aqui. Os movimentos negros seguirão se organizando e pressionando as autoridades para que, um dia, tenhamos a primeira mulher negra ministra do STF. Essa é uma luta justa e necessária, que deve ser apoiada por todos que se preocupam com a democracia e a justiça social no Brasil. Sabemos que esse é um caminho longo e difícil, mas estamos dispostas a percorrer todos os obstáculos para conquistar nossos direitos.

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