06 maio 2017

DEAR WHITE PEOPLE: UMA SÉRIE ONDE A BRANQUITUDE NÃO É O CENTRO DO MUNDO


Esta não é uma série sobre "gente branca", ou sobre a branquitude, mas sobre todas as merdas que a gente pensa e sente, quando vocês saem por aí, fazendo branquisse!

Este post contém ~spoillers~ e se você faz parte da nova geração que não está pronta para isto, é melhor não ler.

"Dear White People", numa tradução livre "Cara gente branca", é uma série original da Netflix, lançada no Brasil em abril de 2017 e inspirada num filme, também da Netflix, com o mesmo nome. Confesso que, em vista do filme, a série é "NOSSA, MEU DEUS DO CÉU, QUE COISA MARAVILHOSA", porque achei o filme bem meia boca, na verdade. 
Sou viciada em séries com personagens negros, há um tempo comecei assistir uma série sobre vampiros exatamente porque vi um personagem negro na capa, sim, eu sou este tipo de pessoa. Comecei à assistir à "Dear White People" como quem esperava pelo racismo reverso, afinal, milhares de pessoas brancas fizeram um redevu na internet quando a Netflix divulgou a primeira chamada da série, reclamando sobre a empresa estar "promovendo a segregação entre negros e brancos", ou pior ainda "estarem apoiando o genocídio branco", WTF? E lá fui eu pensando, "é aqui o meu lugar, me encontrei numa série verdadeiramente opressora" contém ironia. Mas, a série reserva uma surpresa à quem acha que o titulo indica uma produção cheia de indiretas sobre pessoas brancas: A SÉRIE, DIFERENTE DO RESTO DO MUNDO, não é sobre vocês, brancos. Em "Dear White People", o centro do mundo somos nós, queridos!
Sam e Joelle (Atrizes:  Logan Browning e Ashley Blaine Featherson)
O cenário é uma conceituadíssima universidade norte-americana, como a maioria das produções dos Estados Unidos e, logo no primeiro episódio a branquitude americana se comporta como esperado: uma festa com blackface! Apesar da série mostrar um cenário em outro país, é possível reconhecer o ambiente das universidades brasileiras, principalmente as públicas, em especial onde eu estudo, diria. Alunos brancos que insistem na rasa e velha resposta: "Se a Sam pode falar de gente branca, nós também podemos de vocês, negros". "Dear White People" ou "Cara gente branca" é o nome do program de rádio apresentado por Samantha White, a "Sam". No programa, a jovem que recém se descobriu "militante negra" faz críticas ao comportamento dos seus colegas brancos de universidade e isso deixa eles um tanto quanto "bravinhos", a saída encontrada por eles? Fazer uma festa de Halloween cujo o tema incentiva os convidados a "soltarem o seu lado negro", as fantasias vão desde "jogadores de basquete" até "Nick Minaj" (muito mal diagramada, por sinal).
Mas, engana-se quem pensa que a série passa todo o tempo criticando às pessoas brancas, aliás, as criticas feitas de forma subjetivas são muito mais contundentes e engraçadas, várias vezes os comportamentos da branquitude que nos incomodam e machucam são mostrados de maneira engraçada, ou até mesmo sádica, eu diria. 
Aliás, quem não entende ironia não está habilitado à assistir "Dear White People", a série usa muitas vezes esta figura de linguagem, principalmente para responder àqueles comentários que sempre vem de pessoas que fazem parte da branquitude e não tem um pingo de noção. No episódio da festa racista, por exemplo, uma das personagens que eu mais gosto, Coco, Colandrea Conners, aparece na festa e um outro personagem branco toca nela, perguntando: "Nossa, como você conseguiu esta tinta?", em referência à sua pele escura, dentro daquela festa em que o esperado eram várias pessoas brancas pintadas de preto. Aliás, este papel um tanto imbecilizado que muitas vezes pessoas brancas se colocam, diante de nós, negros, é claramente retratado na série (pegou a referência? claramente, risos). 
Colandrea Conners (Atriz: Antoinette Robertson)
Por falar em Colandrea, a Coco, ela com certeza é uma personagem que ou você ama, ou odeia, não dá para gostar "mais ou menos" desta garota em "Dear White People". Coco é também uma jovem, negra, mas a pele é escura. Aliás, sou apaixonada por duas, tanto Coco quanto Joelle, mas Joelle é assunto para outro post. Coco começa a série sendo amiga de Sam e o motivo da briga que afasta as duas é? TAN-TAN-TAN-TAN! Privilégio conferido as negras de pele clara.
É muito difícil abordar esse assunto nas redes sociais, porque na maioria das vezes as negras de pele clara entendem que nós estamos chamando-as de brancas e, não é bem assim, não é mesmo? Sam critica durante toda série o comportamento "dormindo" da Coco, inclusive ela e Reggie (outro personagem da série que gosto) criam um app que deveria circular no campus marcando os negros que estão "acordados" (conscientes de sua negritude e atuando como integrantes do movimento negro "anti-branquitude" da universidade) e os que "não estão acordados" (negros que, não fosse a cor da pele, não são considerados "negros de verdade", atuantes na luta contra o racismo e a segregação, nem tanto a ver com o tom da pele, neste caso), este grupo inclui a Coco, na visão da Sam e Reggie. Mas, não vamos nos perder, pois o assunto aqui é, o privilégio das "Negras Negonas Clarinhas quase Brancas", expressão parecida com esta é usada pela Coco numa discussão com Sam. 
Reggie (Ator: Marque Richardson)
Sam, é a típica "novata" no movimento que acabou de se perceber, ou se aceitar, negra e só quer mesmo "botar fogo no engenho", as vezes com alguns negros lá dentro, já Coco é uma mulher negra, de pele escura que nunca teve a opção de "não ser negra" e me incluo neste grupo que, por mais que não nos aceitemos, a sociedade sabe muito bem que somos negras sim. Coco passa por aquela cena que todas nós, negras de pele escura, já passamos alguma vez na vida: todas as suas amigas terminam a noite com um cara e você? Não. Não desta vez!
Acredito que por isso meu amor pela Coco, que só vai experimentar seu cabelo natural lá pelo nono episódio, depois de estar na cama com Troy (seu namorado famoso e importante dentro do campus que, até o último episódio, não decide qual lado defender e permanece em cima do muro para manter seu papel político), e num rompante de tesão, ele lhe arrancar a lace-front (maravilhosa!) que ela usava. Coco, apesar de todas as críticas que tenho a ela, é totalmente compreensível. Teve que aprender, pela cor da sua pele principalmente, que deve sim agarrar as oportunidades que a vida lhe dá, que para nós não são muitas. Pelo final da primeira temporada, eu acredito que Coco será "menos branca" na próxima etapa (aliás, aguardamos ansiosamente a segunda temporada de Dear White People, ouviu, Netflix?) da série.
Como já disse, a série está longe de ser o que tanta gente reclamou sem assistir, uma coletânea de ataques as pessoas brancas, mas está mais para uma coletânea sobre a diversidade de nós, jovens negros, militantes ou não, que podem ser encontrados dentro de ambientes comuns, como a universidade, por exemplo. Várias cenas, piadas, trocadilhos e situações que nós, inclusive os brasileiros, passamos todos os dias. Dá para dar risada, para chorar, para aprender, para refletir e não é para atacar ou incitar o ódio contra a branquitude. Longe disto!
Pessoas que não são negras podem inclusive assistir com um olhar atento para aprender. A série mostra diversos comportamentos da branquitude, do ponto de vista de nós negros, que podem e devem ser evitados por vocês, de uma maneira muito didática, ou seja, fica IMPOSSÍVEL não aprenderem desta forma. 
Gostaria muito que a série "Dear White People" tivesse levantado tanto frisson quando os "13 Porquês" no Brasil, mas, aparentemente, racismo não é tão grave quanto o suicídio, não é mesmo?

4 comentários:

  1. Eu adorei seu texto, aliás me identifiquei muito com tudo que escreveu, vim parar aqui pesquisando sobre a Coco no google, pq a personagem é fantástica, apesar de tudo. Adorei o blog, vou continuar acompanhando. :DD

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    1. Ai, que delícia ler isso!
      Obrigada pelo carinho, de verdade! <3
      Também acho a Coco fantástica, "apesar dos pesares"

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  2. A série de fato é muito interessante. Assisti por completo em poucos dias. Ótimo post, parabéns. Bom saber que tem gente como eu...kkk também amo filmes com atores negros. Aliás a Netflix já sabe disso e sempre aponta filmes assim pra mim.

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    1. HAHA, as minhas indicações são todas assim também! hahahha

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