25 novembro 2015

A AUTOESTIMA NA TRANSIÇÃO: COMO LIDAR?



Talvez este seja um dos períodos mais difíceis na vida de uma mulher crespa. É aquela fase "nem-lá-nem-cá" em que você atrai olhares dos mais (in)discretos e perguntas dos mais abusados, desde "não vai pentear esse cabelo?" até "você vai deixar duro mesmo?". Pois é, aí vem a principal questão: será que é possível se sentir bonita por fora em meio a tantos bombardeios da sociedade? Vou tentar responder isto neste post!

Este post não tem uma fórmula mágica que lhe deixará linda ao final da leitura ok? Mas tem a história de tirar o fôlego de mulher negra e com certeza a fórmula surgirá em você. Vamos lá!

Gosto é construção social assim como o senso estético logo, eu posso achar uma mulher em transição linda mesmo com o cabelo "meio liso meio crespo" porque a minha vivência me permite entender aquele período e enxergar a beleza dela encaixada em um novo "padrão". Isso quer dizer que quando alguém disser que você não está bonita "desse jeito" só significa que você não está dentro do padrão que aquela pessoa foi ensinada a achar bonito. Mas o padrão dela não é a regra e você não é obrigada a se adequar.
Nós vivemos em uma sociedade com valores racistas e culturalmente opressora de mulheres, o que faz deixar óbvio que nós mulheres negras tendemos a ser ainda mais massacradas quando somos o centro da questão. Os corpos femininos são historicamente controlados para atender o padrão eurocêntrico de beleza, além do ladrão de magreza, o comportamental e etc... Pensem no quanto é considerado transgressor uma (primeiro) mulher, (segundo) negra romper com as barreiras e se recusar a continuar cumprindo as exigências para ser aceita? Com uma sociedade que valoriza tanto a "beleza" como cartão de visitas não é espanto nenhum tentarem reduzir a sua beleza para lhe controlar novamente.



Você é linda por menos que se sinta e cabelo é só cabelo, a transição é um período que nos faz perder qualquer apego a essa parte do corpo, mesmo que de forma forçada. Logo logo quando você sair do olho do furacão vai conseguir entender que o cabelo não é e nunca será "carteirinha de ser mulher". Mais uma vez, é tudo construção social, quantas vezes você ouviu que "mulher de cabelo curto não é feminina" ou "os cabelos são a moldura do rosto"? Pois bem, isso é mais uma forma da sociedade poder dizer quem ela aceita, quem ela não aceita. Seus cabelos vão dizer sobre você exatamente o que você quiser que eles digam simplesmente porque você é dona do seu corpo e a mensagem que ele transmite é sua responsabilidade (o que as pessoas interpretam é que faz parte da vivência delas) portanto, cabelo curto não te faz mais isso ou menos aquilo.


A querida Betina Câmara nos deu a honra de conhecer sua história da transição (e como este post demorou um tempinho para sair, a lindeza da Betina já fez o BC):



Sobre ter molinhas...
Esse texto é mais do que sobre moda, estilo, cabelo...
É sobre o auto amor que o preconceito ensina aos fortes...
Nasci fruto de um casamento sem amor verdadeiro num dia frio de setembro de 1983 numa cidadezinha do interior do RS.
Cresci percebendo que minha mãe não era feliz e inconscientemente, fazendo de tudo para deixar a vida dela mais fácil. Meus pais se separaram em fevereiro de 92 e o que era extraoficial virou oficial: virei a filha única de uma mulher só. Minha mãe foi morar comigo numa peça úmida e sem banheiro, meu pai sumiu no mundo e nos deixou com uma geladeira com a porta caindo e uma televisão velha.


Bom, minha mãe ficou com a única escolha a qual parece que querem nos convencer: que nós mulheres negras temos, ser fortes. E foi. Trabalhou muito, pegava dois ônibus pra ir e dois pra voltar do trabalho, eu apresentei sintomas do que seria minha primeira crise depressiva nessa época, ela se virava para lidar também com isso e digamos que superamos...
Fui a adolescente gordinha e única negra da classe por todo o colegial, sofri todo tipo de preconceito até por parte das ‘’amigas’’. Engordei muito, chorava escondido, era ridicularizada por membros da minha família (sou até hoje o patinho feio, a prima pobre da minha família) e enfrentava tudo isso com humor. Isso mesmo, eu era a piadista da turma! Não namorava, ninguém queria ficar comigo e ironicamente, era a mim que as amigas procuravam quando precisavam de conselhos amorosos...
Cresci teimando em ser forte (como minha mãe fazia e dizia que eu TINHA de fazer também) e essa fortaleza me levou a me formar na faculdade, procurar um bom cargo e assim pensava eu, finalmente ser feliz. Não foi o que aconteceu.
Eu trabalhava 14 horas por dia, vivia exausta, ainda chorava muito escondido e me metia em situações em que eu me auto desempoderava. Eu sempre acreditei que se alguém insistia em errar o passo sempre no mesmo lugar, era porque essa caminhada estava errada e em meados de 2013 resolvi me auto curar, conheci o reiki e retomei meus estudos com os oráculos que eu tinha iniciado na adolescência. Eu já havia excursionado por diversas religiões, em todas eu questionava muita coisa e minha tendência a ser forte fazia com que eu não aceitasse "cabresto". Foi nesse momento que resolvi agarrar as rédeas de minha vida e me auto conhecer. Minha coragem assustou muita gente que quis me derrubar, tropecei um bocado, mas aprendi a me amar e me aceitar.
Foi aí quando me amei que percebi todas as vezes que sofri preconceito, todas as vezes que fui preterida por causa da minha cor, todas as vezes que me desempoderei fazendo "graça pro diabo rir", foi ai que conheci e comecei a estudar o tema da solidão da mulher negra, que eu já sentia na pele desde sempre mas não reconhecia como sendo uma mazela social e sim como algo que fosse errado comigo ou o fato de eu não ser boa o suficiente...
Eu já estava há quase um ano sem conseguir alisar o cabelo logo que comecei meu processo de autoconhecimento, simplesmente não conseguia e hoje entendo que era meu “Eu superior” querendo me mostrar a beleza de minha verdade, que eu estava prestes a descobrir. No meu processo, deixar meu cabelo natural tem a ver com auto amor, individuação, autorrespeito.
As pessoas me perguntam se foi/é difícil minha transição e eu respondo sinceramente


que não: difícil é se olhar no espelho e não se identificar, não aceitar como o "certo", tentar achar alguém que te represente na mídia e não encontrar, difícil é não respeitar seu processo, sua verdade, sua identidade e sua raiz! Complicado mesmo é tentar achar fora o que só existe em você, entender que o preconceito do outro é dele e não pode, não deve te tirar a vontade de viver. Impossível é sobreviver como se nossa única opção fosse ser forte...
Hoje vibro com cada cachinho, minhas hidratações são momentos lindos de reflexão comigo mesma, sinto uma liberdade que nunca havia experimentado e encontrei em mim, na minha espiritualidade, na verdade do meu cabelo a paz, a alegria e a completude que procurei em tantas partes... Mudei de carreira profissional, atualmente sou terapeuta holística (trabalho com tarô e florais), estudo psicologia transpessoal e assumi como minha missão nessa jornada que as pessoas honrem e respeitem toda a luz e amor que há na sua individualidade perfeitamente imperfeita.
Creio que o segredo seja entender, compreender e perceber que somos uma partícula de um Ser maior que ama nossas "molinhas" no cabelo, nossa pele chocolate e a força que há no coração de quem já sofreu um dia... De coração desejo que ser forte não seja nossa única opção e que nossa verdade prevaleça e seja respeitada... Amor,alegria e muito Axé para todos! Betina Câmara.


Quando bate aquela bad, que sempre vai bater em algum momento da transição o mais indicado é você tentar se lembrar o motivo que te trouxe até aqui. Já falei aqui no blog que transição é um ato politico se lembram? É um afrontamento a sociedade e principalmente não é só uma questão estética, tente se lembrar então de todo o caminho que lhe trouxe a decidir pela liberdade e eu tenho certeza que a felicidade interior vai se refletir no seu exterior!

Isso tudo para dizer que dá sim para se sentir bonita na transição ou fora dela, todas nós temos aqueles momentos em que a autoestima balança um pouco mas vamos focar no objetivo e as coisas tendem a melhorar!
Ah, caso queiram conhecer melhor o trabalho da Betina, esta AQUI é a página profissional dela, só curtir e acompanhar!

Espero que esse post ajude a empoderar ainda mais as mulheres. Abraços e até a próxima.

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