A Brazilian family in Rio de Janeiro by Jean-Baptiste Debret 1839 |
"Vocês
querem separar o movimento...", "Estamos todas sob a mesma
opressão...", "Eu acho que você não entendeu direito o que eu quis
dizer...”
Essas e outras frases são
comuns nas falas de mulheres feministas que, embora acreditem estar em defesa
de todas as mulheres, ainda tem seu
julgamento e atitudes formados por estereótipos racistas, mas é como diz aquele velho ditado: de boas intenções o
inferno está cheio!
1 – ELA É QUASE DA FAMÍLIA...
A relação das mulheres
brancas – e ricas – com o serviço doméstico é algo que antropologia precisa
urgentemente estudar. Em African Woman -
A Political Economy, da autora Meredeth Turshen, publicado em 2010, a
autora discute como a liberdade das mulheres brancas de classe média levou as
mulheres negras das classes mais baixas africanas à outra opressão, a de
estarem relegadas a executar as tarefas dentro do lar para aquelas mulheres que
alcançaram a sua “liberdade profissional”. Embora esteja clara a intenção de
escrever isso, acho interessante explicar que: isso não é sobre querer que as
mulheres brancas não saiam de casa e conquistem seus empregos, é sobre dizer
que elas precisam logo entender que a liberdade construída em cima da opressão
de mulheres negras não contempla as mulheres negras.
2 – ABAIXO O
PATRIARCADO OS HOMENS DO MUNDO!
Aqui concordamos em um
ponto, a estrutura da sociedade patriarcal não é positiva para nós, mulheres.
Isto é um fato. O machismo, que não é o contrário do feminismo, não é positivo e não nos contempla, nos mata, nos fere e nos violenta todos os dias. Nós,
mulheres negras, somos provas físicas e numéricas de que o machismo mata. Nos
últimos 15 anos, segundo o mapa da violência divulgado em 2016, o número de
mortes violentas das mulheres brancas caiu
pouco mais de nove por cento, enquanto o assassinato de mulheres negras subiu mais de 50%, então, nós
precisamos sim gritar contra o sistema que está posto. Por outro lado, há uma
dificuldade de compreender as mulheres negras que ao mesmo tempo que lutam contra
o machismo também lutam pelos homens negros. A população carcerária do Brasil
cresceu mais de 600% nos últimos 10 anos, em especial após a nova lei “antidrogas”
que criminaliza o pequeno comércio e os homens negros são a maioria nas prisões - a autora Juliana Borges discutiu em seu livro O que é encarceramento em massa? (2018) o aumento exponencial da população
carcerária e vale a pena a leitura. Estes homens são nossos filhos, irmãos, amigos,
companheiros, netos, sobrinhos e somos nós, mulheres negras, muitas vezes a
única esperança de alguém lutando por seus direitos aqui fora. Portanto, quando
você feminista branca acredita que o problema está unica e exclusivamente nos homens, nós temos muito
ainda para lhe mostrar.
Mãe Preta (lLucílio de Albuquerque), tela, c. 1917, Museu de Arte da Bahia |
3 – A NUDEZ EMPODERADORA QUE NEM SEMPRE NOS CONTEMPLA
É importante saber que cada
uma faz do seu corpo o que quiser, mas, um resgate histórico breve do lugar do
corpo da mulher negra em nossa sociedade mostra muito bem onde a nossa nudez
foi colocada. O corpo negro, tanto homens quanto mulheres, é historicamente
hipersexualizado e, como disse Elza Soares, “A carne mais barata do mercado é a carne negra...”. Esse lugar de
peça exposta já foi dado as mulheres negras desde o nosso primeiro sequestro,
os estupros praticados pelos senhores ou mesmo os castigos impostos pelas
sinhás quando as mulheres negras “seduziam” seus maridos – lê-se, eram
estupradas por eles – tudo isso é reflexo da forma como nosso corpo é
apresentado e, ainda assim, há várias críticas do feminismo branco à episódios
como no caso em que foi – finalmente – vestida a “Globeleza”. Este corpo
besuntado de óleo e exposto nu não é mesmo a representatividade que estamos
buscando e vestir o símbolo nacional da “mulata do samba” para nós é uma pequena
vitória.
4 – OS ESTEREÓTIPOS DE FEMINILIDADE
Ao mesmo tempo que comemoramos
o progressivo fim da Globeleza nós ficamos felizes quando mulheres negras
vencem o concurso de Miss Brasil. Aí a feminista branca se pergunta,
“MaS cOmO
aSsIm?”.
Então, minhas caras, lhes explico: O lugar de carne barata, da mulher “não mulher”, daquela que tem que lutar para ter sua humanidade e feminilidade reconhecidas sempre foi das mulheres negras. Entendemos que o machismo coloca as mulheres – todas as mulheres – em lugar de inferior ao homem, mas, no caso das mulheres brancas ambos continuam sendo humanos e de nós foi tirada inclusive a humanidade. Angela Davis discute em seu livro Mulheres, classe e raça (2016), como as mulheres negras foram, junto com os homens negros, retiradas da categoria de humanas. O discurso de Sojourner Truth no século XIX (1851) é um grito por existência, humanidade e, porque não, feminilidade. Por isto, entendam, lutar contra os estereótipos de gênero ligados as mulheres brancas – princesinha, sensível, aquela que necessita de cuidados – não é uma pauta que historicamente seja das mulheres negras, afinal, não sou eu uma mulher? Pois bem, ter a nossa humanidade e feminilidade reconhecidas também pode ser então positivo neste sentido. O mesmo sobre as flores do dia da mulher, como disse anteriormente, nós somos a prova física e numérica da violência contra mulher e flores definitivamente não eliminam as nossas mortes, mas, queremos as flores também, queremos a humanidade também.
5 – PORQUE RADFEM NEM É GENTE!
Ah, os memes, estes que
se expressam melhor do que eu jamais poderia!
O feminismo radical, que
certamente deve ter coisas mais interessantes do que esta parte que menciono, é
um bom exemplo de como o feminismo branco – e entendo que podem haver mulheres
negras nesse movimento, fazer o quê?! – ainda precisa entender muito sobre
recortes. O Brasil é o terceiro país mais perigoso para uma pessoa trans ou
travesti, o país que mais mata e mais consome pornografia do gênero, ao mesmo
tempo e ainda assim é possível encontrar discursos contra a população transexual
dentro desta vertente do feminismo. Se cruzamos os dados teremos então a cor
das pessoas trans que mais sofrem. E o mais curioso nisso tudo é que, a raiz do
movimento do feminismo radical, veio exatamente da necessidade de acolher os
homens trans, bizarro, não?
As mulheres transexuais são
diariamente empurradas para a prostituição por motivos óbvios, o racismo é mais
um ingrediente da criminalização destes corpos e para completar conseguimos encontrar um movimento feminista que – certamente, entre outras
pautas relevantes – se dedica a discriminar estas mulheres. A pergunta que não
quer calar é: precisa mesmo?
Toda a problemática de
performar gênero e feminilidade já foi respondida no tópico anterior deste texto,
se não entendeu, basta voltar um ponto.
Ouvi tb de uma mulher negra que esse termo, apesar de haver um contexto no seu uso, é negativo para a mulher negra, visto que por ja exisitir uma hipersexualizacao do corpo negro, o termo vadia nao é algo a qual elas querem se associar, ja q fogem desse esteriotipo.
ResponderExcluirMARAVILHOSA !
ResponderExcluirMuito obrigada por esse texto! Às vezes é muito difícil se fazer entender e a sua fala é exatamente o que toda mulher negra inserida no feminismo branco deveria enxergar.
ResponderExcluirTexto maravilhoso e a parte do Radfem foi a cerejinha do bolo, sempre achei que só eu sentisse esse incômodo com algumas ideias da vertente sobre trans e travestis.
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