15 dezembro 2018

CINCO MOMENTOS EM QUE FEMINISTAS BRANCAS FORAM TÓXICAS AO MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS

A Brazilian family in Rio de Janeiro by Jean-Baptiste Debret 1839
"Vocês querem separar o movimento...", "Estamos todas sob a mesma opressão...", "Eu acho que você não entendeu direito o que eu quis dizer...”
Essas e outras frases são comuns nas falas de mulheres feministas que, embora acreditem estar em defesa de todas as mulheres, ainda tem seu julgamento e atitudes formados por estereótipos racistas, mas é como diz aquele velho ditado: de boas intenções o inferno está cheio!

1 – ELA É QUASE DA FAMÍLIA...

A relação das mulheres brancas – e ricas – com o serviço doméstico é algo que antropologia precisa urgentemente estudar. Em African Woman - A Political Economy, da autora Meredeth Turshen, publicado em 2010, a autora discute como a liberdade das mulheres brancas de classe média levou as mulheres negras das classes mais baixas africanas à outra opressão, a de estarem relegadas a executar as tarefas dentro do lar para aquelas mulheres que alcançaram a sua “liberdade profissional”. Embora esteja clara a intenção de escrever isso, acho interessante explicar que: isso não é sobre querer que as mulheres brancas não saiam de casa e conquistem seus empregos, é sobre dizer que elas precisam logo entender que a liberdade construída em cima da opressão de mulheres negras não contempla as mulheres negras.

2 – ABAIXO O PATRIARCADO OS HOMENS DO MUNDO!

Aqui concordamos em um ponto, a estrutura da sociedade patriarcal não é positiva para nós, mulheres. Isto é um fato. O machismo, que não é o contrário do feminismo, não é positivo e não nos contempla, nos mata, nos fere e nos violenta todos os dias. Nós, mulheres negras, somos provas físicas e numéricas de que o machismo mata. Nos últimos 15 anos, segundo o mapa da violência divulgado em 2016, o número de mortes violentas das mulheres brancas caiu pouco mais de nove por cento, enquanto o assassinato de mulheres negras subiu mais de 50%, então, nós precisamos sim gritar contra o sistema que está posto. Por outro lado, há uma dificuldade de compreender as mulheres negras que ao mesmo tempo que lutam contra o machismo também lutam pelos homens negros. A população carcerária do Brasil cresceu mais de 600% nos últimos 10 anos, em especial após a nova lei “antidrogas” que criminaliza o pequeno comércio e os homens negros são a maioria nas prisões - a autora Juliana Borges discutiu em seu livro O que é encarceramento em massa? (2018) o aumento exponencial da população carcerária e vale a pena a leitura. Estes homens são nossos filhos, irmãos, amigos, companheiros, netos, sobrinhos e somos nós, mulheres negras, muitas vezes a única esperança de alguém lutando por seus direitos aqui fora. Portanto, quando você feminista branca acredita que o problema está unica e exclusivamente nos homens, nós temos muito ainda para lhe mostrar.

Mãe Preta (lLucílio de Albuquerque), tela, c. 1917, Museu de Arte da Bahia

3 – A NUDEZ EMPODERADORA QUE NEM SEMPRE NOS CONTEMPLA

É importante saber que cada uma faz do seu corpo o que quiser, mas, um resgate histórico breve do lugar do corpo da mulher negra em nossa sociedade mostra muito bem onde a nossa nudez foi colocada. O corpo negro, tanto homens quanto mulheres, é historicamente hipersexualizado e, como disse Elza Soares, “A carne mais barata do mercado é a carne negra...”. Esse lugar de peça exposta já foi dado as mulheres negras desde o nosso primeiro sequestro, os estupros praticados pelos senhores ou mesmo os castigos impostos pelas sinhás quando as mulheres negras “seduziam” seus maridos – lê-se, eram estupradas por eles – tudo isso é reflexo da forma como nosso corpo é apresentado e, ainda assim, há várias críticas do feminismo branco à episódios como no caso em que foi – finalmente – vestida a “Globeleza”. Este corpo besuntado de óleo e exposto nu não é mesmo a representatividade que estamos buscando e vestir o símbolo nacional da “mulata do samba” para nós é uma pequena vitória.

4 – OS ESTEREÓTIPOS DE FEMINILIDADE

Ao mesmo tempo que comemoramos o progressivo fim da Globeleza nós ficamos felizes quando mulheres negras vencem o concurso de Miss Brasil. Aí a feminista branca se pergunta, 
“MaS cOmO aSsIm?”.
Então, minhas caras, lhes explico: O lugar de carne barata, da mulher “não mulher”, daquela que tem que lutar para ter sua humanidade e feminilidade reconhecidas sempre foi das mulheres negras. Entendemos que o machismo coloca as mulheres – todas as mulheres – em lugar de inferior ao homem, mas, no caso das mulheres brancas ambos continuam sendo humanos e de nós foi tirada inclusive a humanidade. Angela Davis discute em seu livro Mulheres, classe e raça (2016), como as mulheres negras foram, junto com os homens negros, retiradas da categoria de humanas. O discurso de Sojourner Truth no século XIX (1851) é um grito por existência, humanidade e, porque não, feminilidade. Por isto, entendam, lutar contra os estereótipos de gênero ligados as mulheres brancas – princesinha, sensível, aquela que necessita de cuidados – não é uma pauta que historicamente seja das mulheres negras, afinal, não sou eu uma mulher? Pois bem, ter a nossa humanidade e feminilidade reconhecidas também pode ser então positivo neste sentido. O mesmo sobre as flores do dia da mulher, como disse anteriormente, nós somos a prova física e numérica da violência contra mulher e flores definitivamente não eliminam as nossas mortes, mas, queremos as flores também, queremos a humanidade também.

5 – PORQUE RADFEM NEM É GENTE!

Ah, os memes, estes que se expressam melhor do que eu jamais poderia!
O feminismo radical, que certamente deve ter coisas mais interessantes do que esta parte que menciono, é um bom exemplo de como o feminismo branco – e entendo que podem haver mulheres negras nesse movimento, fazer o quê?! – ainda precisa entender muito sobre recortes. O Brasil é o terceiro país mais perigoso para uma pessoa trans ou travesti, o país que mais mata e mais consome pornografia do gênero, ao mesmo tempo e ainda assim é possível encontrar discursos contra a população transexual dentro desta vertente do feminismo. Se cruzamos os dados teremos então a cor das pessoas trans que mais sofrem. E o mais curioso nisso tudo é que, a raiz do movimento do feminismo radical, veio exatamente da necessidade de acolher os homens trans, bizarro, não?
As mulheres transexuais são diariamente empurradas para a prostituição por motivos óbvios, o racismo é mais um ingrediente da criminalização destes corpos e para completar conseguimos encontrar um movimento feminista que – certamente, entre outras pautas relevantes – se dedica a discriminar estas mulheres. A pergunta que não quer calar é: precisa mesmo?
Toda a problemática de performar gênero e feminilidade já foi respondida no tópico anterior deste texto, se não entendeu, basta voltar um ponto.


Por fim...

Precisamos entender que dizer tudo isto não é uma conclusão de que a vida das mulheres brancas está ótima, um conto de fadas, acabou machismo, nada disto! Mas, reconhecer as diferenças é o primeiro passo para solucioná-las, apagar as diferenças que a raça provoca dentro do gênero e fazer com que estas divergências não sejam discutidas é a maneira mais eficiente de fazê-las permanecer. Só poderemos considerar o feminismo uma luta de todas, quando todas estas pautas  forem discutidas e antes de mencionar que o feminismo não é "mãe" para "resolver todas as opressões", eu te pergunto, "E não sou eu uma mulher?".

4 comentários:

  1. Ouvi tb de uma mulher negra que esse termo, apesar de haver um contexto no seu uso, é negativo para a mulher negra, visto que por ja exisitir uma hipersexualizacao do corpo negro, o termo vadia nao é algo a qual elas querem se associar, ja q fogem desse esteriotipo.

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  2. Muito obrigada por esse texto! Às vezes é muito difícil se fazer entender e a sua fala é exatamente o que toda mulher negra inserida no feminismo branco deveria enxergar.

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  3. Texto maravilhoso e a parte do Radfem foi a cerejinha do bolo, sempre achei que só eu sentisse esse incômodo com algumas ideias da vertente sobre trans e travestis.

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