Não sei exatamente por onde começar a escrever esse texto, porque eu estive nos últimos dias chorando a morte de alguém que não conheço, lamentando uma perda que não foi minha. Ou foi?
Marielle Franco - Mulher Negra, Socióloga, Favelada e Lésbica. Mulher de Luta! |
Embora tenhamos consciência de que todos os dias, em média, 60 pessoas negras são assassinadas neste país, a morte da Marielle Franco ganhou destaque e eu acredito que não precisaríamos explicar o porquê. Mas, ainda é preciso ensinar didaticamente às pessoas na internet o porquê vidas negras importam.
Marielle Franco, vereadora mais bem votada da cidade do Rio de Janeiro, preta, favelada, lésbica e mãe. Mulher que, em pouco mais de um ano de mandato, falou e deu voz às favelas cariocas dentro da câmara de vereadores da cidade do Rio de Janeiro. Mulher preta, favelada, que rompeu a curva das estatísticas das jovens mães negras da periferia. Estudou, foi à luta política, colocou a sua voz para ecoar na torre de marfim que são espaços de poder, brancos, masculinos e ricos.
No sábado, dia 10 de março de 2018, Marielle Franco levou a público a denúncia de violência do 41º Batalhão de Acari.
E apenas quatro dias depois, Marielle foi executada com nove tiros na cabeça, no meio do centro do Rio de Janeiro. Onze tiros disparados em direção ao veículo e cinco na cabeça de uma mulher negra. Marielle, que gritou sempre contra os criminosos, contra uma política de extermínio nos morros, contra a luta hipócrita, supostamente pelas guerras, que justificaria a morte de "varejistas" do tráfico. Marielle Franco sempre lutou contra os bandidos, afinal, bandidos não estão somente onde seu racismo aponta, saiba.
Marielle Franco, mulher de luta, assim como tantas de nós, cada uma na sua luta e a sua maneira, morreu denunciando crimes durante a Intervenção Federal – que se mostra militar – no Rio de Janeiro, sobre a qual o responsável declarou: "Queremos garantias de que não haverá uma nova comissão da verdade". A vereadora havia sido indicada dias antes como relatora da Comissão que fiscalizaria as ações do interventor, preciso dizer mais?
Mas, voltando ao assunto de Marielle Franco ser uma “desconhecida”, lhes pergunto: está proibido sentir a morte dos meus? Das minhas? Principalmente a morte de uma irmã que, assim como eu, lutava em sua frente de batalha por todos nós, cada uma na sua luta, no entanto, LUTANDO e denunciando abusos de poder de um estado. Como já sabemos, um Estado racista e genocida, que poderia ser qualificado como máquina de moer o povo negro, com fortes indícios de ser o responsável por mais essa execução sumária, se esse Estado não se lamentará pela nossa, nós também não podemos?
Nesses dias que sucederam a execução de Marielle Franco tive, por diversas vezes, que explicar a algumas pessoas porque é que o que Marielle defendia era o direito de todos nós, humanos, e pasmem, também foi necessário explicar porque não era “correto” comemorar a morte de uma mulher negra exatamente por ela lutar e defender os direitos humanos. Me espanta, vivemos num país onde é necessário lutar para poder defender o básico, o direito à vida e à dignidade de TODOS os seres humanos, não apenas dos fardados ou engravatados.
No dia 15 de março, enquanto alguns canais comemoravam o “Dia do Consumidor”, muitos de nós chorávamos a morte de alguém que MUITOS, principalmente de outros estados, não conheciam, mas nossa luta nos torna íntimos e por isso nos limitamos a viver esta dor. Sair à rua no dia 15 e abraçar irmãos e irmãs de luta, me deixou com a sensação de que eu estava guardando eles no meu abraço, quase com a intenção de não os deixar partir dali, com medo de perder, assim como perdemos a Marielle Franco.
E assim seguimos, nos identificando com a dor dos nossos que morrem todos os dias, desde muito tempo. O golpe para nós, mulheres, homens e crianças negras, começou lá atrás, quando partiu de África o primeiro navio negreiro.
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