28 setembro 2016

LUDMILLA NÃO É A MAIOR DESCONSTRUIDONA QUE VOCÊS RESPEITAM

As situações as quais nós mulheres negras, principalmente as de pele escura e cabelo crespo, somos submetidas todos os dias, muitas vezes nos expondo ao ridículo, nos levando a depressões e outros problemas psicológicos, parecem não terem somente os racistas como impositores.
LUDMILLA NÃO É A MAIOR DESCONSTRUIDONA QUE VOCÊS RESPEITAM
As dezenas de compartilhamentos que vi hoje, das fotos da cantora Ludmilla após todas as suas cirurgias plásticas, vieram de pessoas negras. Homens e mulheres, não foram dois ou três amigos, foram mais de vinte vezes em que eu tive de ocultar essa publicação na minha timeline. Bom, é normal e esperado que tudo que passe na minha linha do tempo venha de pessoas negras, afinal, são mais 70% dos meus amigos nesta rede social. E também é bem verdade que esta discussão vem rolando nas redes sociais a vários dias, Ludmilla vem fazendo transformações nas suas características negroides a várias semanas. 
O problema não está em compartilhar piadas, eu não sou aquela que virou ativista e não sabe mais rir de piadas, mas sim, em expor ao deboche novamente uma mulher negra, que certamente chegou a este ponto por todo deboche e pressão que sofreu durante a vida. 
Esqueçamos aqui quem é a Ludmilla, celebridade e que aparece na mídia conquistando fãs e haters, mas vamos tratá-la como um mulher negra "qualquer", destas que nós encontramos na rua todos os dias. Sempre que eu vejo uma mulher negra numa destas situações que nos causam "vergonha alheia", eu não consigo mais debochar ou ficar de piadinhas, porque eu sei que poderia ser eu naquele lugar ou qualquer outra mulher negra, que como tal, não precisa de mais piadas e mais opressão, já fizeram isto o bastante para que ela chegasse até o tal ponto. 
Não consegue associar essa situação com nenhum caso "comum"? Eu ajudo a pensar numa situação mais próxima. Por muitos anos, eu usei aplique nos cabelos. Das muitas preocupações de quem usa aplique estão duas, cair uma mecha numa situação inoportuna, ter menos cabelo no aplique do que se deveria e ele ficar totalmente separado do seu cabelo, dando aquele efeito mais falso possível. E não é raro ver isto nas ruas, um aplique tão mal feito, mas tão mal feito, que você pensa: "nossa, como essa mulher preferiu se submeter a esse papel, do que assumir o próprio cabelo?" Mas não podemos esquecer, que ela prefere ter aquele cabelo "mais ou menos bonito" do que o seu próprio porque provavelmente, ela deve considerará-lo muito "pior" que aquilo. Consegue imaginar o quanto de opressão essas mulheres sofrem, para aceitarem ser sujeitadas a este papel vexatório?
Porém hoje, nós temos os super heróis da auto-estima negra, os "empoderadões", aqueles que já transcenderam todas as opressões, não se importam mais em serem chamados (por vezes aos gritos) de "cabelo duro" nas ruas, não se importam mais em ter o nariz ou a boca como centro de piadas, ou até se importam, mas sabem responder à altura e exaltar a sua estética em revide a esse tipo de comentário racista. E não há nenhum problema nisto, a menos que você se esqueça que nem todos são "os desconstruidões que você respeita"!
Assim como diversas mulheres negras se sujeitam aos mais diversos papéis que nós, criaturas que não sofrem de auto-ódio, não nos sujeitaríamos, a Ludmilla não está imune a isto. O fato dela ser uma celebridade, não a protege dos racistas. Ter dinheiro neste país, não nos blinda dos racistas, nunca nos esqueçamos disto. 
Por último em relação a todas as piadas, xingamentos, deboches e ofensas que a Ludmilla tem recebido, seria interessante os negros pensarem: já pararam para ler e perceber, que vocês estão falando exatamente como os nossos opressores nestes comentários? Não se trata aqui de defender a Ludmilla, há diversos traços no comportamento dela que não concordo, mas sim de me posicionar ao ver vocês desconstruidões da internet, criticarem uma mulher preta que está apenas tentando fugir da nossa estética, que todos os dias é diminuída, ridicularizada e alvo de RACISMO. O racismo é uma máquina, que nos esmaga todos os dias, das mais diversas formas, somos alvos de piadas, nenhum meme ou vídeo viral sobre "cabelo ruim" tem uma personagem branca, loira e lisa como centro, porque será? Vamos fazer neste momento um exercício de consciência, quantas vezes vocês imaginam que, por ser uma pessoa exposta na mídia, esta mulher sofreu com o racismo? Quantas vezes a mídia não deve ter exigido que esta mulher se embranquecesse para alcançar o sucesso? É sabido que no Brasil, a preta que faz sucesso tem cabelo liso ou ondulado, pele clara e nariz fino. 
Por tudo isso, façamos o exercício de entender que a Ludmilla é apenas mais uma mulher negra, sucumbindo ao sistema de branqueamento que opera nesse país desde que o negro é negro por aqui, que ela está reagindo a opressão exatamente como muitos de nós reagimos tempos atrás, que a mídia que paga o trabalho dela exige isso para que ela continue ganhando dinheiro e, imagino que ninguém aqui esteja muito disposto a deixar de ganhar dinheiro pela militância, não é mesmo?

2 comentários:

  1. Confesso que sou uma das pessoas que muito criticam os procedimentos estéticos da Ludmilla e que acha ela bem mais bonita sem nada disso. Mas ok, isso passa - já que o dinheiro é dela e a cara também. Confesso que olho pra ela e não consigo ter sororidade. Sei lá.
    Acho que ela é tãaao close errado, mas tãaao close errado, que até a equipe de assessoria dela deve penar pra contornar as coisas que ela fala e faz com os fãs, sabe? Acho que o que falta nela é realmente abraçar a negritude e se empoderar, e meios pra isso não faltam já que vivemos na era da internet - não é possível que não tenha um ser vivo que tenha conversado com essa moça a respeito disso!
    Vejo que muitas mulheres negras tiveram uma imagem melhor diante da mídia e MUITO MAIS credibilidade depois que abraçaram o emponderamento e se fizeram instrumento de inspiração real oficial. Vide Thaís Araújo, olha como a imagem dela ficou muito mais fortalecida depois que ela começou a se posicionar... Karol Conká, Mc Karol...
    Acho que se ela repensasse alguns pontos, as plásticas realmente não importariam nada, mas é todo o conjunto, sabe? Enfim... Nunca discuti com ninguém sobre isso, portanto nunca repensei minha postura.

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    1. Sabe, miga, eu penso que "nem tudo que parece, é!", Ludmilla é exemplo claro disto. Claro, literalmente, se é que você me entende. Cada dia que passa ela está mais embranquecida, mais longe de se aceitar, aí, foi contratada como embaixadora de uma marca que supostamente valoriza, além do capitalismo, o empoderamento da mulher negra (eu não acredito)! Pois bem, ela segue a maré e vai pra onde der mais dinheiro, então eu particularmente prefiro ela ganhando direito sendo sincera, do que vendendo "empoderamento" pelo tempo de contrato e daqui a pouco dar OUTRO CLOSE ERRADO!

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